21.- Granja S. Teresinha

No ano de 1946, surgiu a idéia de fazer um canal para conduzir parte das águas do rio São Bento numa linha quase paralela como o rio Mãe Luzia, ao longo de toda a margem direita, a começar no terreno de Paulo Eyng, hoje propriedade das Irmãs do Hospital São José, até ao terreno de Luís Boeing, onde afluía no rio Mãe Luzia. Era este trajeto de cerca de 9 km. Serviria esta água para a lavação de roupas, bebedouros dos animais e também para irrigação das lavouras, principalmente para as lavouras de arroz.

O aproveitamento da água trazia, em si, já um grande problema. Era preciso que o canal não se afastasse por muito das residências dos usuários, bem como devia seguir por um trajeto em que fosse mais fácil o aproveitamento para maiores extensões das lavouras a serem irrigadas. Só estes requisitos já eram o suficiente para tornar o empreendimento difícil de contentar a todos. Surgiram outros como a situação topográfica de certos terrenos que não permitiam atender às exigências dos proprietários. O problema capital, porém, era o ponto de captação da água no rio São Bento. A planimetria, em toda extensão do canal, foi executada por Aloísio Back, que, embora não técnico desta arte, levou a bom termo este trabalho. Traçada a trajetória do Canal e conseguida a licença devida da Diretoria de Canais e Rios, concessão esta dada por trinta anos, começou-se com a abertura de canal. Consiste este um uma vala de 1,5 m de largura e a profundidade de acordo com a maior ou menor elevação do terreno. Em determinados lugares até foi necessário fazerem-se aterros, onde os terrenos, apresentavam baixadas bastante acentuadas em que o nível da água se tornaria muito baixa e a continuação exigia uma escavação muito profunda; corrigiram-se essas depressões com os aterros, colocando o leito do canal mais alto. A abertura do canal se iniciou simultaneamente em muitos lugares. Eram os proprietários dos terrenos que fazia empreitadas da escavação do canal em sua propriedade ou só do vizinho.

Com maior número de trabalhadores e sob a direção e supervisão de Aloísio Back, começou-se com a abertura que dava a entrada do rio São Bento para o canal. Consistia esta parte num comprimento de mais de trezentos metros e uma profundidade de aproximadamente de 5 metros. Era, pois, deslocamento de muita terra. Tornava-se necessário na parte de cima começar com uma largura de 10 metros para dar lenta declividade dos barrancos laterais para evitar os desmoronamentos. Era necessário afastar as terras escavadas para longe das beiras do valo, para não pesarem sobre as bordas. Apesar de todas estas providências, com a primeira chuva copiosa, as rampas cederam e deslizaram para dentro do canal, tornando todo o penoso trabalho inútil. Tratava-se de chão de pouca consistência e muito movediço.

Esse desastre infausto e imprevisto provocou desânimo geral, tendente a pôr todo trabalho em paralisação completa. Os mais decididos e corajosos, porém, reanimaram-se desta fatalidade, incutindo mais brios aos acanhados e encontraram a única solução do caso: arquearem todo o trecho com tijolos e cimento. Era esta uma solução muito demorada e dispendiosa. Até que todos concordaram, houve muita luta e desentendimentos. Tornava-se necessário alicerçar ambos os lados, o que aliás não foi difícil, dado que a escavação até a camada de seixo que todos os nossos terrenos apresentam, distanciados estes alicerces com 1,5 m e sobre os quais repousavam os arcos que em forma de semicírculo fechavam no centro um raio de um metro. Todo este trabalho arqueamento foi executado por Aloísio Back, trabalho penoso e insalubre. Terminado este arqueamento, provou ser uma excelente obra tanto pela resistência dos arcos como pelo fato de o proprietário do terreno não ficar privado da área de sua terra onde passava o canal.

Com a escavação, a montoeira de terra inutilizava cerca de 20 metros de largura em toda a extensão do canal, que pôde ser removida e aplanada por sobre os arcos, podendo o proprietário aproveitar integralmente o terreno.

Outra grande e difícil problema se lhes apresentou: a barragem do rio para introduzir a água no canal. Tomava-se muito problemático e ainda é hoje o açude do rio, dada a inconstância do seu leito, que, com a sua violência nas cheias e da pouca consistência das terras marginais, rompe caminho mais para cá ou mais para lá. Construiu-se a barragem sobre um veio grosso e solto no fundo do rio com concreto.

Depois de pronto, julgava-se um trabalho executado para sempre; porém, a água que se filtrava por entre as pedras grossas foi corroendo, lavando a areia existente entre as pedras até que com o ímpeto nas enchentes rompeu por debaixo do concreto tomando sem efeito a barragem. Todo o ano é necessário à reforma do açude, sempre sujeito a uma irrupção.

Deste canal-mestre, de início traçado e construído, constantemente com árduas lutas, de ordem financeira e de incompreensão dos participantes, não tardou virem solicitações de outras localidades, como de S. Teresinha, de São Pedro e São Jorge, para aproveitarem-se da excelente água do rio São Bento. Esta insistência se tomou cada vez mais vigorosa, à medida que a água do rio Mãe Luzia se ia poluindo mais e mais com os resíduos do carvão extraído em Siderópolis. De fato, pode-se tachar de ação criminosa a poluição das águas cristalinas das vertentes do costão da Serra do Mar, de onde se alimenta o rio Mãe Luzia. Sem o menor escrúpulo foram inutilizadas e transformadas em prejudiciais para a vida humana e dos animais.

Como era rico em peixes este nosso rio! Até marítimos, como a tainha, o robalo e outros abundavam por aqui: penetravam pelo rio Araranguá, vinham avançando pelos seus afluentes acima, e aqui se observava quando em cardumes, as tainhas, com os seus elegantes saltos, saíam para fora da água, caindo um metro mais na frente no ambiente de seu habitat. Toda esta vida aquática desapareceu, sem que alguém tome providências para banir tão grande mal das zonas ribeirinhas. De inicio, quando das grandes enxurradas nas zonas carboníferas, as lavras perniciosas eram despejadas no rio; este as conduzia ao longo do seu curso, e os peixes, grandes e pequenos, eram envenenados com o ácido destruidor e morriam, boiando sobre as águas. Quantos, e justamente os da população mais pobre, quando tudo faltava para o seu sustento, iam à beira do rio para pegar alguns peixes e matar a fome sua e dos seus filhinhos. Tudo isto acabou.

Essa ação destruidora, que vem das minas de carvão, não só mata a vida dos animais aquáticos, como também vem destruindo os terrenos ribeirinhos, que eram os de maior fertilidade: não mais produzem, principalmente nas partes mais baixas em que a inundação é mais freqüente. Também em planos mais elevados, com dois metros e mais, se faz sentir a ação danosa do carvão nos terrenos. Assim, se nota que o milho, quando nasce, apresenta-se todo roxo, chegando até a morrer em parte e as plantas que sobrevivem e lançam as raízes mais profundas, desenvolvem-se e dão boas espigas.

Atendendo, pois, às solicitações de outros povoados, desenvolveram-se as outras ramificações do canal-mestre, como o canal que, partindo do terreno de João Eyng, segue em rumo a Santa Teresinha, atendendo aos moradores do seu curso, e num prolongamento serve também parte dos moradores de São Pedro. Em tempos de estiagem a água, vem escasseando e causando prejuízos às lavouras do arroz. Com o aproveitamento dos lavoureiros no seu percurso, muita água foge e é desviada, caindo na Sanga do Coqueiro, pequeno riacho. Para o reaproveitamento desta água e outras, que se acumulam neste riacho, a empresa fez uma barragem na Sanga e com um valo bastante fundo no começo reconduz estas águas novamente ao valo que serve a população de Santa Teresinha e São Pedro. Os trabalhos de recuperação das águas perdidas foram bastante onerosos, para os cofres da empresa, mas necessários. Também foi aberto um canal, denominado o Canal do Meio, para servir nos fundos dos terrenos de Forquilhinha e indo no final reforçar ainda o Canal Santa Teresinha. No prolongamento do canal-mestre, que de início desaguava no rio Mãe Luiza, se abriu um valo bastante fundo para levar a água mais para o interior dos terrenos onde podia ser melhor aproveitada. Este valo naturalmente sempre desmoronava e custava todos os anos muito dinheiro e tempo para sua desobstrução. Por isso, resolveu-se partir de mais de cima, evitando este valo fundo, e levar de imediato mais para os fundos dos terrenos,

abandonando o final do valo-mestre primitivo, e abastecendo a população de S. Jorge, que, aliás, é uma zona excelente para a cultura do arroz.

Se bem que todos os empreendimentos executados pela nossa colônia, foram à custa de muitas lutas e sacrifícios, a que mais controvérsia provocou, foi a abertura destes canais. Com um número variável de mais ou menos 60 sócios, todos deveriam contribuir com soma pré-estabelecida, importância de acordo com a suas posses em dinheiro para o custeio da abertura dos canais. O pagamento destas contribuições era por prestações. Venciam-se os prazos determinados, mas os pagamentos das prestações, por muitos, não eram realizados. O encarregado da obra era Aloísio Back, que, com um esforço pessoal, sobre-humano, queria levar a bom termo a sua tarefa. E bem conhecido que, sem dinheiro, nada vai. Apelava-se para os maus pagadores e muitas vezes sem efeito. Também é conhecido que um trabalho executado com muita lentidão se torna mais caro e mais difícil. Poucos, talvez ninguém dos usuários desta excelente água, sabiam apreciar os benefícios e as vantagens que lhes eram dados com o fornecimento deste precioso líquido. A todos os cultivadores de arrozais, também os associados, é exigida a renda de 10% da colheita, sendo as demais utilidades da água completamente grátis para todos.

Em todos os anos, antes do plantio do arroz, é feita uma desobstrução de todos os canais, que dão no conjunto mais de 30 km de extensão, e em muitos partes deve repetir-se o trabalho por diversas vezes. Estes trabalhos de desobstrução dos canais consomem constantemente grandes somas em dinheiro e são

pagas diversas pessoas, denominadas "zeladores", que vigiam, ao longo dos canais, o bom funcionamento e o aproveitamento da água, nominalmente em época da irrigação dos arrozais. Esta guarda se torna indispensável para evitar os abusos de muitos no manuseio da água, em prejuízo de outros, que também querem usufruir da boa água. Estas despesas todas são custeadas com o produto da renda anual. Dirigem atualmente a empresa Gabriel Eyng e Aluíno Arns. Os ânimos de todos estão mais calmos e conformados, uma vez que não mais são forçados a contribuir com dinheiro; pelo contrário, das sobras líquidas recebem a sua parcela.

A Santa Teresinha do Menino Jesus também aqui teve de intervir: quando a luta de sua continuação tinha chegado a seu auge, recorreu-se à Santa para intervir na contenda para levar ao fim desejado. Foi também nesta ocasião que Frei Marciano Kropf, coadjutor da paróquia se interessou pela causa e ardentemente propugnava pela continuação e arrefecimento dos ânimos e denominou a empresa Granja Santa Teresinha.